Um cego tinha uma filha muito linda, que o acompanhava para toda
a parte, julgando assim defender a sua honra. A rapariga combinou com o namorado
um estratagema: em um caminho estava uma cerejeira, e ele devia esconder-se aí,
e quando passasse com o pai arranjaria as cousas de modo a poderem abraçar-se.
As cousas dispuseram-se a seu talante.
Ao passar perto da cerejeira, diz a rapariga:
- ó pai, está ali uma cerejeira, tão carregadinha, que parece um
andor. Deixa-me apanhar algumas?
O cego concordou, e depois que a filha subiu à cerejeira, ficou
agarrado ao tronco, para, segundo seu intento, guardar a honra da filha.
Os namorados não perderam tempo; mas, no seu enlevo, passavam
dois peregrinos, que eram Jesus Cristo e São Pedro, que andavam pelo mundo.
- Divino Mestre!, exclamou São Pedro, como é louvável um pai
guardar a honra da filha.
Por um ar do divino Mestre o cego recuperou subitamente a vista;
e espantado de ver a filha entre a ramagem da cerejeira abraçada pelo namorado,
ela com toda a frescura acudiu de pronto:
- Não se zangue comigo, pai: o que eu fiz foi para lhe dar a
vista.
São Pedro olhou para o Divino Mestre, que, na sua infinita bondade,
disse sorrindo: mulheres hão-de ser sempre mulheres.
Teófilo
Braga (rec.), Contos Tradicionais do
Povo Português, vol. I, 2ª ed., Publ.
Dom Quixote,1995
Uma editora está a organizar duas antologias de textos
narrativos com os seguintes títulos: Contos e lendas portuguesas; Narrativas de
autores portugueses.
Diz em qual destas antologias colocar o texto “ Dar vista aos
cegos”.
Justifica a tua resposta.
➜ O texto narrativos dar vista aos cegos deve ser colocado na
antologia “Contos e lendas portuguesas”.
Assim, lendo o texto, notamos que a linguagem usada é popular “
As cousas dispuseram-se…”;
Há presença de personagens míticas ( São Pedro e Jesus Cristo ),
além de duas personagens que nos surgem sem nome ( Pai e filha ).
O texto é de fácil transmissão, com objetivo de explicar um
acontecimento misterioso e sobrenatural, isto é, a cegueira do pai.
Também podemos dizer que este conto tem uma função moralizadora
e lúdica (a mulher é um ser estratega e com manha).
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